Dia seguinte ao discurso na Central do Brasil.
História Livre - História do Brasil - Populismo
A
IMPRENSA JORNALÍSTICA PORTO-ALEGRENSE
E OS ÚLTIMOS DIAS DO GOVERNO
JOÃO GOULART
Marcos
Emílio Ekman Faber, Eduardo da Silva Severo e Ismael Wolf Ferreira
Resumo
Este
artigo procura analisar comparativamente o
discurso jornalístico porto-alegrense
a respeito do governo de João Goulart
e como a imprensa gaúcha se posicionou
em relação ao seu governo. Os
jornais analisados são: Diário
de Notícias e Última Hora. A
escolha destes dois jornais ocorreu em função
da visão antagônica que tiveram
do período. O referencial teórico
adotado é o da Análise do Discurso
e os autores de referência são
Raoul Girardet e Eni Puccinelli Orlandi. A
análise ocorrerá com a comparação
dos discursos dos referidos jornais em comparação
à historiografia sobre o período.
Palavras-chave: Imprensa
porto-alegrense. João Goulart. Golpe
de 1964.
1
Introdução
O governo e a deposição
de João Goulart são de fundamental
importância para a compreensão
de como as forças conservadoras
de direita abriram espaço para
a chegada ao poder através do Golpe
de 1964. A análise aqui apresentada
é fundamentada na bibliografia
disponível sobre o período
e na análise de dois dos principais
jornais porto-alegrenses da época:
o Diário de Notícias e a
Última Hora, ou seja, nossa análise
está focada no olhar da mídia
gaúcha sobre o governo João
Goulart. A escolha destes dois jornais
se deu pelo fato de que os dois terem
posições políticas
opostas a respeito do governo Goulart.
A baliza temporal do artigo está
nos últimos vinte e dois dias do
governo Jango, ou seja, do dia 10 ao dia
31 de março de 1964, sendo que
como o Golpe de Estado dado pelos militares
ocorreu no dia 31 de março e, portanto,
sendo noticiado somente no dia 1º
de abril, analisamos os jornais deste
dia e do dia seguinte ao Golpe que depôs
o presidente João Goulart.
Acreditamos que a análise comparativa
entre os jornais Diário de Notícias
e Última Hora e a comparação
destes com a bibliografia histórica
do período é importantíssima
na compreensão da luta ideológica
travada pelos setores favoráveis
a João Goulart e os setores de
oposição na sociedade gaúcha
de então. Pois interessa-nos compreender
como e em que escala os setores conservadores
associados à burguesia nacional
conseguiram manipular a sociedade e criar
as bases que possibilitarem o Golpe de
1964. Buscamos uma resposta na análise
dos referidos jornais, porém conscientes
de que a amostragem destes não
reflete necessariamente a opinião
da sociedade gaúcha como um todo,
porém, servindo como parâmetro
de como os principais setores da sociedade
porto-alegrense pensava e entendia o governo
João Goulart.
2 O pano de fundo do governo Jango
O governo Goulart iniciou de forma bastante
controversa no dia 7 de setembro de 1961.
João Goulart assumiu a presidência
com poderes diminuídos, pois se
tornou presidente num regime parlamentarista.
A renúncia de Jânio Quadros,
seguida de uma tentativa de Golpe de Estado
pelos militares – que foi frustrada
pela Campanha da Legalidade liderada por
Leonel Brizola – geraram um clima
de instabilidade política. Diante
desta situação instável,
o Congresso adotou uma “solução
de compromisso” (FAUSTO, 2007, p.
443) para evitar um Golpe de Estado e
uma possível Guerra Civil, o Congresso
aprovou a mudança no sistema de
governo brasileiro, passando do sistema
presidencialista para o parlamentarista.
Desse modo, o parlamentarismo, proposto
por muitos como fórmula capaz de
dar maior flexibilidade ao sistema político,
entrou em vigor pela porta dos fundos.
Utilizado como simples expediente para
resolver uma crise, não poderia
durar muito, como de fato não durou.
(FAUSTO, 2007, p. 443).
Nas
palavras de Caio Navarro de Toledo “o
governo Goulart nasceu, conviveu e morreu
sob o signo do Golpe de Estado”
(TOLEDO, 1982, p. 7), ou seja, quando
tomou posse, Jango, já havia enfrentado
uma tentativa de deposição
mesmo antes de assumir a presidência
e durante seu governo conviveu com a sombra
conspiratória.
Essa conspiração anti-Jango,
era explicada pela temeridade, por parte
dos setores conservadores da sociedade
brasileira, de um governo populista ao
estilo getulista ou de que Goulart promovesse
a construção de uma República
Sindicalista de moldes peronista. Estas
acusações, porém,
tinham fundamento, pois estavam amparadas
na experiência de João Goulart
como Ministro do Trabalho de Getúlio
Vagas. Neste ministério, João
Goulart, promoveu a aproximação
do governo Vargas com o proletariado,
inclusive sendo o mentor do aumento do
salário mínimo em 100% ainda
durante o governo de Getúlio Vargas,
o que fez com que a oposição
respondesse com forte oposição
ao seu nome (FAUSTO, 2007, pp. 413-415).
Quando João Goulart assumiu a presidência,
os setores agrários e as oligarquias
regionais, tradicionalmente anti-getulistas,
ficaram automaticamente na oposição
direta ao governo. Porém, conforme
passava o tempo, outros setores da burguesia
– comercial e industrial –
passaram para a oposição,
o que causou a surpresa dos intelectuais
que faziam parte do governo Goulart, pois
estes acreditavam que a burguesia eminentemente
urbana estaria satisfeita com as transformações
propostas pelas reformas que Goulart promoveria.
Até mesmo a Igreja Católica
colocou-se contra o presidente João
Goulart. Mesmo que alguns setores da Igreja
apoiassem declaradamente as reformas propostas
pelo presidente, a cúpula hierárquica
católica era contrária às
políticas “comunistas”
de Jango.
Quanto aos militares, que foram em parte
os derrotados de 1961, estavam em estado
de alerta. A Escola Superior de Guerra
(ESG), fundada em agosto de 1949, e que
tinha a missão de capacitarem militares
e civis para “exercer funções
de direção e planejamento
na segurança nacional” (FAUSTO,
2007, p. 452). Tinha, nos anos 1960, a
convicção de que “só
um movimento armado poria fim à
anarquia populista, contendo o avanço
do comunismo” (FAUSTO, 2007, p.153).
Mas o parlamentarismo durou somente até
janeiro de 1963, quando através
de um plebiscito popular, o regime presidencialista
venceu o parlamentarismo . Graças
a esta vitória, João Goulart
pôde governar sem a intermediação
do Congresso, além disso, a vitória
popular de Jango o fortaleceu e calou
temporariamente a oposição.
Aproveitando-se disso, Goulart lançou
o Plano Trienal, de autoria do ministro
Celso Furtado, porém, o Plano logo
fracassou levando a situação
a agravar-se novamente.
Foi então que João Goulart
passou a empunhar a bandeira das Reformas
de Base – reforma agrária,
fiscal, bancária, eleitoral, universitária,
etc. (TOLEDO, 1997, p. 35).
As reformas se impunham para atenuar as
tensões sociais acumuladas que
se expressavam através de conflitos
visíveis e latentes. O caso da
reforma agrária era exemplar. Era
preciso aumentar a produção
de alimentos, de matérias-primas
para a indústria e criar no campo
um mercado para bens manufaturados. Mas,
principalmente, era preciso evitar a convulsão
social. (TOLEDO, 1997, pp.35-36).
Fica
claro, aqui, que as propostas de João
Goulart não eram revolucionárias,
pois atendiam às necessidades de
desenvolvimento do capitalismo industrial
brasileiro. Porém,
PSD e UDN, representando os interesses
dos grandes proprietários rurais
e de expressivos setores da Igreja Católica,
negaram apoio a qualquer emenda constitucional
que viabilizasse a reforma agrária
proposta pelo governo. Com esta decisão,
o Congresso Nacional demonstrava que o
caminho das reformas seria difícil
e tormentoso. (TOLEDO, 1997, p.36)
Entretanto,
se isto explica as motivações
e a adesão dos setores conservadores
– ruralistas, latifundiários,
etc. – da sociedade brasileira à
oposição, não explica
como a sociedade como um todo, especialmente
a burguesia nacional, aceitou este discurso
anti-getulista e de oposição
a Jango.
Mas e quanto à mídia impressa
gaúcha? Como dois dos principais
jornais do Estado no período –
Diário de Notícias e Última
Hora – se posicionaram? Sendo que
ambos os jornais enquadravam-se no gênero
jornalístico opinativo (BONINI,
p. 213), pois divulgam notícias
com a opinião do jornal declaradamente
expressada no texto. É sabido que
os dois jornais representavam diferentes
segmentos da sociedade gaúcha e,
portanto, tinham pontos de vista distintos
sobre o governo do gaúcho João
Goulart.
O jornal Diário de Notícias
era integrante do grupo Diários
Associados, fundado por Assis de Chateaubriand,
o Chatô. Chateaubriand era inimigo
político de Getúlio Vargas,
o que, portanto, fazia do jornal um natural
opositor do governo Jango (RÜDIGER,
1993, pp. 60-65). Este jornal era a voz
das classes conservadoras na sociedade
gaúcha.
Já o jornal Última Hora
, fundado por Samuel Wainer no Rio de
Janeiro, mas que tinha uma versão
de circulação nacional que
era complementada por suplemento regional
em Porto Alegre. Foi fundado para servir
de respaldo ao getulismo junto à
opinião pública. Segundo
o próprio Samuel Wainer, seu objetivo
era romper com "a formação
oligárquica da imprensa brasileira
e dar início a um tipo de imprensa
popular e independente" (RÜDIGER,
1993, p. 65). Ao contrário do Diário
de Notícias, a Última Hora
era um representante do populismo no Rio
Grande do Sul. Tratava-se de uma empresa
privada de caráter nacionalista
que defendia as políticas de industrialização
e de fortalecimento do capitalismo no
país.
O problema que levantamos e procuramos
responder neste artigo é como a
mídia impressa do Rio Grande do
Sul respondeu a crise que culminou no
Golpe de 64. A ênfase de nosso artigo
recai sobre o olhar conservador da cidade,
ou seja, principalmente sobre o jornal
Diário de Notícias, porém,
em contraponto com o jornal Última
Hora.
Por tratar-se de análise de textos,
o referencial teórico será
o da Análise do Discurso e os autores
selecionados foram Raoul Girardet (1987)
e Eni Puccinelli Orlandi (1993).
3 O Olhar da Mídia Porto-Alegrense
Analisamos dois temas que acreditamos
serem os mais pertinentes nos últimos
dias do governo João Goulart e
que tiveram ampla cobertura da mídia
gaúcha: as reformas pronunciadas
no comício da Central do Brasil
(reforma agrária e encampação
das refinarias) e o confronto oposição/defesa
à liderança e legitimidade
de João Goulart como presidente
do país.
Iniciamos nossa análise pelo dia
10 de março de 1964.
Quando os comunistas advogam a convivência
pacífica com os católicos,
procedem exatamente como o leão
solto no rebanho das gazelas. Não
devora todas ao mesmo tempo, e as que
são poupadas iludem-se, acreditando
que acompanham um amigo. (DIÁRIO
DE NOTICIAS, 10/03/64, p. 1).
O
editorial do jornal Diário de Notícias
deste dia, o primeiro que analisamos,
é cheio de simbolismos, pois o
editorial faz uma associação
entre uma notícia do PRAVDA –
órgão oficial do Partido
Comunista Russo – pregando o ateísmo
à outra notícia do dia que
falava sobre padres e bispos brasileiros
que apoiavam a legalidade do Partido Comunista
no Brasil. Na mesma edição,
o jornal afirma que o comício do
presidente João Goulart na Central
do Brasil será promovido pelo partido
comunista. É importante lembrar
que neste momento o mundo vive o clima
da Guerra Fria e, no campo internacional,
o Brasil adotou a Política Externa
Independente, não se alinhando
aos Estados Unidos. Também é
importante que neste momento, o medo do
comunismo é muito forte na sociedade
brasileira e o Diário de Notícias
associa o comunismo à figura do
presidente.
O tema da conspiração maléfica
sempre se encontrará colocado em
referência a uma certa simbólica
da mácula: o homem do complô
desabrocha na fetidez obscura; confundido
com os animais imundos, rasteja e se insinua;
viscoso ou tentacular, espalha o veneno
e a infecção (GIRARDET,
1987, p. 17).
O
Diário de Notícias associa
o comunismo ao maligno, e associa a figura
do presidente a este maligno. Ao afirmar
que o comunismo é anti-católico,
indiretamente está afirmando que
o presidente também o é.
Esta prática será muito
utilizada no discurso do Diário
de Notícias como veremos nas manchetes
e nos editoriais do jornal.
Por outro lado, o jornal Última
Hora, do mesmo dia, estampa em sua capa
de circulação nacional a
manchete “Jango: revolução
financeira para o progresso do Brasil”
o jornal saúda a iniciativa do
presidente, inclusive afirmando que “o
presidente teve uma recepção
triunfal por parte dos estudantes da Universidade
do Brasil” (UH, p. 1) para quem
ele liberou uma verba de 1 bilhão
e 500 milhões de cruzeiros. Ao
contrário do Diário de Notícias,
a Última Hora refere-se ao presidente
João Goulart com otimismo, utilizando
expressões como “progresso”
e “recepção triunfal”,
exaltando a pessoa do presidente.
No dia 12, o Diário de Notícias
dá a seguinte manchete “Organismos
Espúrios Comandam a Desordem”,
a manchete era em referência ao
título do manifesto das Classes
Produtoras do Rio Grande do Sul que afirmava
que “A causa principal dos males
reside no desvirtuamento da autoridade
civil, que faz o jogo da investidura totalitária,
transigindo ostensivamente com os comunistas”.
O editorial do mesmo dia afirma que as
Reformas de Base são extremante
perigosos para a ordem social, “desde
Lênin, o lema predileto da demagogia
bolchevista tem sido retalhar e distribuir
ao povo grandes propriedades territoriais”
(DN, p. 4).
Já o editorial do Diário
do dia 13 de março, dia do comício
da Central do Brasil, referindo-se à
eleição de Ranielli Mazzilli,
aliado de João Goulart, à
presidência da Câmara que:
O enfraquecimento do Congresso num
momento em que o presidente da República
já fala em ‘instituições
caducas’ – paráfrase
daquele dístico getuliano: ‘voto
não enche a barriga de ninguém’
– é um fenômeno alarmante
para os democratas. Qual o preço
que o Sr. João Goulart pagou por
essa vitória na Câmara? Nenhum.
Veio-lhe gratuitamente às mãos. (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 13/03/64,
p. 4).
Novamente,
o discurso do Diário de Notícias
associa a imagem do presidente ao totalitarismo
e ao comunismo, o que, como veremos, será
uma prática corriqueira do jornal.
Porém, o que mais chama a atenção
na edição deste dia é
a manchete principal “Quase Metade
do RGS está Sujeita à Desapropriação”
e no corpo da notícia afirma que
“nada menos que 41,9% das terras
do RS são desapropriáveis”.
Não por coincidência a notícia
estampa o jornal no dia em que o presidente
da República, João Goulart,
faria seu pronunciamento lançando
a SUPRA – Superintendência
da Reforma Agrária –, que
declarava sujeitas a desapropriação
propriedades subutilizadas com mais de
cem hectares e que fizessem limite com
estradas ou ferrovias federais, ou seja,
certamente não formavam 41,9% das
terras gaúchas, mas o jornal inspirava
o medo do fantasma comunista, que na opinião
deste jornal se tornava mais real do que
nunca.
Um artigo publicado na página 4
do Diário de Notícias simboliza
o sentimento conservador da direita gaúcha
sobre os movimentos políticos de
João Goulart, “enquanto o
movimento subversivo se alastra pelo país
a fora, com o evidente objetivo de substituir
as instituições vigentes
por uma República sindical totalitária”.
Este mesmo artigo pedia aos militares
para que deixassem de ser “apáticos”
e se posicionassem contra Jango. Noutro
artigo do dia era exposto o medo de um
novo Golpe de Estado nos moldes do golpe
dado por Getulio Vargas e que dera origem
ao Estado Novo em 1937.
Já no jornal Última Hora
do mesmo dia, o articulista José
Mauro, afirma “decreto da SUPRA:
vitória do povo” (UH, p.
3) e completa a coluna escrevendo que
a oposição conservadora
representada pela UDN e PSD já
estava se organizando para barrar a aprovação
da SUPRA no Congresso. A manchete de capa
do jornal Última Hora destaca “Exército
garante povo no comício da reforma”
e no corpo da notícia declara
Mais uma vez o povo, em geral, e as
classes trabalhadoras, em particular,
irão hoje a praça pública
para defender as reformas sem as quais
o Brasil não poderá avançar
no caminho da emancipação
e do progresso (ÚLTIMA HORA,
13/03/64, p. 1).
Sobre
a participação do Exército,
a mesma notícia afirma que
(...) é que o povo terá
a protegê-lo as Forças Armadas
nacionais. O governador Lacerda e seus
cúmplices tudo fizeram para criar
em função do dia de hoje
uma atmosfera de terror. Mas nada podem
esses agitadores contra as Forças
Armadas, escudo da lei e da ordem, expressão
mais alta da soberania popular (ÚLTIMA
HORA, 13/03/64, p.1).
Este
dia, 13 de março, foi o que as
divergências entre os dois jornais
se mostraram mais claras. As diferentes
posições ideológicas
são demonstradas na simples comparação
dos textos. Enquanto o Diário vê
o movimento presidencial como um complô
golpista, o jornal Última Hora
exalta o ato por envolver a participação
do “povo, em geral, e as classes
trabalhadoras”. Enquanto o primeiro
cria um discurso sobre a gestação
do iminente golpe presidencial, o segundo
exalta a segurança que o Exército
irá garantir contra “Lacerda
e seus cúmplices”, ou seja,
para o jornal a Última Hora, os
golpistas são Lacerda, governador
da Guanabara, e “seus cúmplices”
e não o presidente.
Segundo Raoul Girardet, o mito da conspiração
maléfica, que é natural
no imaginário popular de qualquer
sociedade, necessita de um contra-complô
(1987, p.60), ou seja, ambos os jornais
afirmam que o outro lado é o lado
maléfico. O outro é sempre
o lado que está preparando o golpe
para a tomada do poder, portanto, ambos
os jornais clamam para que seja preparado
o contra-Golpe.
O dia seguinte ao comício da Central
do Brasil, após a população
gaúcha assistir pelo rádio
e pela televisão aos pronunciamentos
de Jango, Brizola e outros, o Diário
de Notícias estampou a manchete
“Encampadas todas as Refinarias”
em alusão a estatização
das refinarias pela Petrobras. Noutra
notícia de capa, o jornal afirma
que “Impeachment de Jango marcará
abertura dos trabalhos no Congresso”.
Em referência ao comício,
o editorial do Diário afirma que
os “foguetórios de uma turma
de energúmenos” que assistiram
ao presidente e seus partidários.
E segue afirmando que o presidente e seus
seguidores pretendem “tumultuar
a vida dos campos, complementando, desse
modo, a anarquia das cidades”, e
prossegue afirmando que
o decreto SUPRA, insistimos, não
passa de uma manobra de aliciamento político,
destinada a concentrar nas mãos
dos validos de copa e cozinha da República
a maior soma de poder jamais vista neste
país. Uma demagogia criminosa (...)
Um clamoroso atentado contra a estrutura
social e econômica do Rio Grande (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 14/03/64,
p. 4).
Ao
falar em perda de propriedade e encampação
de empresas privadas, o jornal trabalhava
o temor de um eminente regime totalitário-comunista
que, segundo o jornal, estaria se instalando
no seio do país. Esse tema será
importante para incluir a classe média,
principalmente os católicos, na
oposição ao governo de Jango.
Em contrapartida, a Última Hora
estampa na capa “O povo com Jango,
começa a reforma”, o jornal
saúda a iniciativa de Jango e cita
que “foi o maior comício
da História do Brasil”. Como
ocorrera com Vargas, o jornal associa
a figura do presidente Goulart com a imagem
do povo. O jornal é cheio de fotos
do comício, fotos onde aparecem
as massas eufóricas saudando o
presidente.
É importante salientar que desde
seu anúncio, o comício da
Central do Brasil, mobilizou o movimento
sindical, o proletariado, os movimentos
estudantis e as esquerdas, “mas
acirrou os ânimos da direita”
e “uma classe social poderosa mobilizou-se
contra as reformas de Goulart: os capitalistas”
(FERREIRA, 2003, p. 382).
A partir do dia 13 de março, uma
sexta-feira 13, “o conflito político
entre os grupos antagônico se redimensionou”
(FERREIRA, 2003, p. 400) e o mesmo pôde
ser percebido no discurso dos dois jornais.
No domingo, 15 de março, o Diário
de Notícias estampa em sua capa
“Parlamentares sugerem medidas radicais
contra o presidente”. Em outra notícia
de capa citam “Lacerda: Goulart
já não sabe o que faz”.
Com isso, o Diário de Notícias
passa a alternar, conforme o dia, manchetes
em que o presidente estaria tramando um
golpe de Estado para obter mais poder
político, com notícias que
sugerem a falta de comando do presidente.
Esta sobreposição de notícias
leva a uma confusão no leitor,
e faz parecer que o governo estava imerso
em um grande caos.
O fato de os decretos das desapropriações
e das encampações não
terem, de logo, provocado agitações
dos ‘sem terra’ ou de pelegos
sindicais, não deve ser tomado
como sinal de que as coisas poderão,
afinal, acomodar-se ou que talvez se tivesse
feito barulho em demasia em torno de medidas
aparentemente inocentes do governo federal.
(...) A absorção das refinarias
nas mãos dos comuno-nacionalistas
e sindicalistas. (...) Terá a nação,
terão o Exército, a Marinha
e a Aeronáutica, terão as
correntes democráticas e cristãs
capacidade de reação contra (DIÁRIO DE NOTÍCIAS,
15/03/64, p. 4).
O
editorial do Diário de Notícias
critica as desapropriações
e encampações, chamando
a sociedade gaúcha para a reação,
onde novamente se refere a “absorção
das refinarias nas mãos dos comuno-nacionalistas
e sindicalistas” (DN, p.1). Já
a Última Hora declara apoio às
medidas de Jango, dedicando a isto uma
coluna inteira onde detalha todo o decreto
de encampação das refinarias,
inclusive publicando na íntegra
o decreto presidencial, que deixa claro
que a encampação das refinarias
atendia a política nacionalista
de seu governo.
É curioso que, neste mesmo dia,
os dois jornais publicaram uma nota da
Petrobras onde esta saúda “ao
povo gaúcho” pela conquista
popular, referindo-se à encampação
das refinarias.
No dia 17, é publicada na capa
do Diário de Notícias uma
nota da FIERGS que afirma “apreensão
diante das medidas que vêm sendo
tomadas” pelo presidente. Já
o editorial do Diário de Notícias
fala do comício de Jango como
a mais Extemporânea das manifestações
totalitárias de que há notícia.
Extemporânea e ilegal, pois começou
pelo solene desprezo do que leis e regulamentos
claramente prescrevem (...) no comício
falou-se mais ou menos em português,
mas o recheio foi russo (DIÁRIO
DE NOTÍCIAS, 17/03/64, p. 4).
Novamente,
o governo Jango era associado ao totalitarismo
e ao comunista.
O jornal Última Hora do mesmo dia
estampa em sua capa “Oposição
em desespero: derrubar Jango antes da
reforma”:
Quem lesse o noticiário de
ontem, diria que a Nação
foi coberta por uma cortina de pânico.
Não é verdade. Quem está
em pânico é uma ínfima
parcela da população. Ínfima,
mas poderosa, e que, pelos seus imensos
recursos de divulgação e
pressão, procura, como o sapo da
fábula, parecer elefante, representando
todo o país (ÚLTIMA
HORA, 17/03/64, p.1).
No
dia 20 de março o editorial do
jornal a Última Hora refere-se
à Marcha da Família com
Deus pela Liberdade como uma tentativa
de golpe contra as reformas anunciadas
pelo presidente, tendo a clara manchete
“Revolução contra
as Reformas” (UH, p.1). Já
o Diário de Notícias exalta
a Marcha da Família com Deus pela
Liberdade afirmando em seu editorial que
Estamos vivendo momentos de indisfarçável
gravidade. A sensação do
perigo está em todos os espíritos.
E o fato de as forças democráticas
se verem na contingência de sair
às ruas para defender o regime,
é uma amostra de que, continuasse
a omissão, os totalitários
já teriam sepultado a democracia
brasileira. Felizmente esta possui vitalidade
para sobreviver mesmo aos maiores embates
– conforme se posicionou em Minas
e São Paulo (DIÁRIO
DE NOTÍCIAS, 20/03/64, p. 4).
É
importante frisar que enquanto um dos
veículos de comunicação
associa o presidente como sendo o ser
maléfico e golpista (GIRADET, 1987,
p.17), o outro jornal faz a mesma associação
à oposição. Ambos
referem-se ao opositor como sendo o usurpador
e o antidemocrata. O Diário acusando
Jango de comunista e a Última Hora
acusando a direita de promover o caos
social e desestabilização
do regime. Ambos identificam a oposição
como uma representação do
mal, “o Mal apreendido como simples
e exata inversão do bem, o tema
não se limita, para dizer a verdade,
à exploração do exclusivo
domínio do imaginário político”
(GIRARDET, 1987, p.62).
Curiosamente a manchete do Diário
de Notícias do dia 22 de março
diz “Unidos contra o golpe seis
grandes Estados” se referindo aos
Estados de São Paulo, Guanabara,
Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná
e Rio de Janeiro. Esta manchete é
uma inversão de papeis, pois os
referidos Estados, que foram coniventes
com o Golpe em 31 de março, eram
aqui expostos como unidos contra um suposto
golpe de Jango. Notícia semelhante
está no dia 24 de março
onde o jornal dá a manchete de
que “Jango sonda o Congresso para
o golpe na Constituição”.
No editorial intitulado “o Velho
e o Moço”, sendo Getúlio
Vargas, o velho, e o João Goulart,
o moço:
Democracia? Constituição?
Partido? Congresso? Tudo isso nada vale
para o moço (...) Por isso, o moço
sempre considerou tais palavras como peças
de máquina de espoliação
(...) O moço tem um território
místico onde cultiva com respeitável
sinceridade o que ouviu do velho. Infelizmente,
para todos, o moço não conheceu
bem o velho (...) Será possível
corrigir o moço – que já
não é tão moço
– o astigmatismo que adquiriu por
contágio ao velho (DIÁRIO
DE NOTÍCIAS, 24/03/64, p. 4).
O
editorial do Diário do dia 26 de
março afirma que “nesses
tempos modernos em que uma facção
soviética se apoderou do comando
nacional” (DN, p. 4). E numa coluna
não assinada afirma que “os
dias de imprensa livre estão contados”,
pois “a Voz do Brasil (...) já
não é mais um simples noticioso
da Agência Nacional: entrou no padrão
DIP, ao velho estilo estadonovista”
(DN, p.4). Novamente é feita a
associação entre João
Goulart e o Estado Novo de Vargas.
No dia 27 de março, uma Sexta-Feira
Santa, o Diário de Notícias
faz um apelo aos cristãos do Rio
Grande do Sul
que a mística desta data sagrada
para a cristandade ilumine todos nós
que livre nascemos (...) Cristo subiu
ao Gólgota pela redenção
da criatura humana. Inspiremos-nos no
exemplo do mestre: estejamos prontos para
dar a vida pela liberdade, porque à
servidão a qualquer forma de ismo
é preferível o sacrifício
supremo (DIÁRIO DE NOTÍCIAS,
27/03/64, p. 4)
No
dia 29, o editorial aconselha: “Inspiremo-nos
no grande mestre: arrestemos com a morte,
se necessário, na luta contra os
anti-Pátria, por amor ao Brasil”
e prossegue “criaram o Leviatã,
a alternativa é uma só:
ou ele ou nós”. Para o Diário
de Notícias o golpe estava legitimado
pela própria ação
presidencial.
São simbólicas as edições
dos dois jornais em 1º de abril de
1964, dia seguinte ao Golpe Civil-Militar,
enquanto o jornal Última Hora trata
deste acontecimento com pesar e tristeza,
e clama pela legalidade, o Diário
de Notícias exalta o ocorrido com
a seguinte manchete “Minas se levanta
contra Jango” e no corpo da notícia
exalta a figura do general Mourão
Filho, “um herói da II Guerra
Mundial” (DN, p. 1). A Última
Hora dá a manchete de “Sublevação
em minas para depor Jango” e atribui
uma frase ao presidente João Goulart:
“O Golpe está condenado”.
Enquanto o Diário de Notícias
fala em levantar-se contra Jango a Última
Hora fala em Golpe de Estado e clama pela
legalidade.
No editorial o Diário de Notícias,
este afirma que “a nação
não tinha alternativa” e
prossegue afirmando que:
O comício de sexta-feira, 13
de março, já fora suficientemente
claro. Exibia, com nitidez diáfana,
intenções liberticidas,
até então apenas suspeitas
(...) O motim naval da quinta-feira santa
era o desafio aberto. Levava os quartéis
a mazorca vestida de reformista. Apunhalavam-se
as Forças Armadas no que elas têm
de fundamental e intocável: a hierarquia
e a disciplina (...) O show no Automóvel
Clube foi a gota final (...) a legalidade
estava irremediavelmente golpeada (...)
Criado o monstro num impulso passional
próprio do nosso povo generoso
e fiel aos ideais de liberdade, cumpria
agora, corrigir o erro fatal (...) Saibamos
ganhar a vitória, a fim de que
o triunfo sobre as forças totalitárias
não se converta num melancólico
1º de abril. (DIÁRIO
DE NOTÍCIAS, 1º/04/64, p.
4).
Quando
o Diário de Notícias se
refere à destituição
de João Goulart como um “triunfo
sobre as forças totalitárias”,
fica claro como o Golpe de 64 foi recebido
pelos setores conservadores da sociedade
gaúcha. Ao posicionar-se contra
o governo João Goulart, o Diário
de Notícias apelava para o temor
do totalitarismo e do comunismo, mas é
curioso que este mesmo órgão
apoiou um regime ditatorial militar de
direita. No discurso defendia a democracia,
mas ideologicamente posicionou-se ao lado
dos golpistas que pulverizaram o mesmo
regime democrático que afirmavam
defender. Enquanto no discurso diziam-se
democratas e favoráveis ao respeito
às leis, na prática foi
golpista e contrária a legalidade.
Já o colunista Paulo Francis, do
jornal Última Hora, afirma que
o presidente João Goulart
compreendeu perfeitamente a missão
histórica que desempenha, seu mandato
já não é seu, mas
uma bandeira de aspirações
nacionais. O político populista
de ontem tornou-se o agente histórico
de hoje. A mensagem das reformas é
irretocável, aconteça o
que acontecer agora. (...) O Golpe está
ai, repito, mas não será
dado por telefone, pela divulgação
em massa do terror ideológico.
Pode-se enganar todo o povo parte do tempo,
mas não todo o povo todo o tempo (ÚLTIMA HORA, 1º/04/64,
p. 4).
Pelo
discurso, Paulo Francis parece convocar
o povo e as esquerdas para a resistência,
porém, esta não aconteceu.
A edição nacional do jornal
Última Hora do dia 02 de abril,
descreve o atentado sofrido pela sede
do jornal, no Rio de Janeiro, que foi
depredada e incendiada: “Toda a
frota de reportagem destruída a
bala e a fogo”, ao lado desta reportagem
consta uma nota de João Goulart
solicitando ao povo gaúcho que
não se sacrifique. E segue com
o agradecimento de Leonel Brizola:
Encerramos aqui a “Rede da Legalidade”
agradecendo a todo o povo gaúcho
e brasileiro que compareceu em massa a
sede da Prefeitura de Porto Alegre para
resistir contra os golpistas. Fizemos
tudo para manter a legalidade (ÚLTIMA
HORA, 02/04/64, p. 1).
Assim,
de forma melancólica, encerrava-se
o governo João Goulart.
4 Conclusão
Raoul Giradet (1987, p.17) afirma que
o tema da conspiração maléfica
sempre se encontrará colocada em
referência a “uma certa simbólica
da mácula”, ou seja, no caso
de João Goulart, seus opositores
necessitavam associá-lo a algo
que a sociedade temesse, por isso a insistência
em associá-lo ao comunismo ou a
um usurpador, criando a imagem de que
ele iria utilizar-se do expediente golpista
para criar um regime totalitário.
Aparentemente, estas acusações
não faziam sentido, pois Goulart
não possuía a força
política que seus inimigos faziam
parecer que ele tinha. Mas, segundo Eni
Puccinelli Orlandi (1993), “do sem-sentido
se faz novo sentido através da
mudança do discurso (...) o discurso
fundador é aquele que constrói
um novo imaginário social”
capaz de gerar novos significados sobre
a realidade representada, porém,
não se fazendo sozinho, mas sendo
construído (ORLANDI, 1993, p.11-25).
Uma das estratégias dos opositores
de Goulart foi o de construir um discurso
que desqualificasse a pessoa do presidente
retratando-o como hesitante e desequilibrado,
e, ao mesmo tempo, associando-o a algo
que a sociedade como um todo temesse,
ou seja, associando-o ao comunismo ou,
nas palavras do próprio Diário
de Notícias, a um “anti-Pátria”.
Como a maior parte da sociedade gaúcha
era temerosa do comunismo e não
desejava o retorno de um regime totalitário,
os opositores de Jango investiram, com
sucesso, nesta associação.
Além disso, a associação
da imagem de Jango com o comunismo o afastava
das classes médias e dos setores
progressistas da Igreja.
Não restam dúvidas de que
a cobertura do Diário de Notícias,
neste período, era de conspiração
ao regime democrático. Porém
fazendo parecer que eles – Diário
de Notícias – eram os defensores
da liberdade e da democracia, enquanto
que o presidente e seus partidários
eram descritos como conspiradores que
iriam acabar com a democracia no país.
Segundo Girardet, essa inversão
nos papéis era necessária,
pois somente quando o outro é associado
à representação do
mal, é que se pode assumir o papel
do salvador (GIRARDET, 1987, p. 62).
Por outro lado, o jornal a Última
Hora, como um veículo de informação
partidário do populismo e aliado
aos interesses da burguesia urbana, defendia
o regime com unhas e dentes, pois era
sem dúvida um dos beneficiados
com o regime de Goulart. Para a defesa
de Jango, utilizava das mesmas ferramentas
que o jornal opositor, ou seja, inspirava
o medo do golpismo. Não era, portanto,
um defensor da legalidade como se dizia
ser, mas era, isso sim, defensor dos seus
próprios interesses.
Mas e como explicar as mudanças
na sociedade porto-alegrense e seu posicionamento
em relação aos diferentes
discursos da mídia?
Os quase três anos passados entre
a posse de João Goulart e o Golpe
de 64, nos deixam a nítida impressão
de que a burguesia nacional, não
era tão nacionalista quanto João
Goulart acreditava. Pois, como afirma
Caio Navarro de Toledo, “o nacionalismo
da burguesia brasileira sempre teve uma
caráter pragmático”
(1982, p. 117), ou seja, dependendo das
circunstâncias e das suas conveniências
a burguesia brasileira se opõem
ou se associa ao capital internacional.
Quando percebeu a crise econômica
desencadeada pelo fracasso do Plano Trienal
e com a Lei de Remessas de Lucros, a burguesia
voltou-se contra o governo que criara
tais medidas. Ao mesmo tempo, a crise
desencadeara um avanço político-ideológico
das classes populares e trabalhadoras.
O crescimento progressivo da politização
e da atuação das classes
populares fez com que os setores da direita
conservadora explorassem o medo de que
a solução popular não
passasse por uma solução
burguesa, mas que fosse buscada na radicalização
do movimento (TOLEDO, 1982, p. 119-120).
Por outro lado, o presidente sem apoio
dos setores dominantes da sociedade brasileira,
buscou nas classes populares o seu aliado,
numa tentativa de reforçar o populismo,
o regime democrático e a luta pela
legalidade.
Neste contexto, os dois jornais porto-alegrenses
aqui analisados eram representantes destas
formas distintas de pensar a política
brasileira. O Diário de Notícias,
representante das camadas conservadoras,
combatia o regime com todos os argumentos
possíveis e, por outro lado, o
jornal Última Hora, defensor da
política populista-nacionalista,
apoiava o regime em vigor, pois era temerosa
do que enfrentaria no caso da derrota
do regime democrático, como de
fato ocorreu, pois poucos meses depois
do Golpe de 64, o jornal fechou as portas.
|